Cada um tem uma palavra para definir sua jornada com seu próprio corpo. Para a Máqui Nóbrega, essa jornada foi de construção, e marcada por fases: "Nunca senti ódio do meu corpo como muitas mulheres gordas sentem, mas já o achei inadequado por muito tempo, ali durante a adolescência e no começo da minha vida adulta", ela conta. "Como tantas mulheres fora do padrão, tive momentos de achar meu corpo inadequado, de achar que ele tinha que se encaixar em alguma coisa que eu não sabia nem exatamente o que era. Estamos sempre nessa busca do mais magro, né? Foi com a chegada dos 30 anos, porém, que essa jornada ficou ainda mais leve: "Acho que vira uma chave quando a gente entra nos 30. Mas é um processo muito natural".
O corpo é uma máquina
Máqui é uma das maiores vozes da representatividade corporal nas redes sociais. Seja com a coluna que já teve em um site, em seus Stories ou feed, ela quebra estigmas antigos e carregados de negatividade em tom de conversa franca e sem qualquer firula: com a Máqui, o papo é reto e certo. Talvez toda a sua experiência venha justamente de também fazer parte do outro lado, de espectadora/seguidora: foi vendo tantas mulheres com o corpo parecido com o seu ganhando cada vez mais espaço que ela começou a se entender melhor também. "É aquele clichê de que representatividade importa mas é verdade. Porque antes eu não via corpos parecidos com os meus e não admirava esses corpos. Essa mudança também ajudou muito a minha relação com meu corpo", afirma.
Alheia a qualquer ideia de perfeição (ela detesta os memes "fada sensata" ou "nunca errou"), Máqui faz questão de falar que a relação incrível que ela tem com seu corpo, na verdade, rejeita quase que instintivamente essa ideia: "Não sou perfeita, erro muito, até porque ser perfeita não tem a menor graça", manda. "Hoje posso dizer que sou 100% feliz com meu corpo porque é o corpo que eu tenho, que me trouxe até aqui e que vai me levar até o fim da minha vida. Trato ele muito bem, vou ao médico e me cuido bastante, porque é no meu corpo que eu vivo, né? Poderia exercitar um pouco mais? Poderia, e pretendo. Mas tudo isso é um exercício diário, de tentar se ver de forma mais positiva, de não ficar focando só no que a gente acha que é defeito, ou que não está legal. É um exercício de focar no que a gente gosta na gente".
A conversa sobre corpo com Máqui, é vasta: ao mesmo tempo em que se lembra dos muitos anos de aulas intensivas de balé, jazz e sapateado ("Eu dançava muito bem!", ela conta, rindo), a influenciadora conta que tamanha fascinação sobre o funcionamento do corpo e como tudo nele está conectado - inclusive corpo e mente - já a levou a fazer um curso de neurociência: "Eu queria muito entender como funcionava o cérebro!", ela diz, rindo. E aprendeu? Ela responde às gargalhadas: "Claro que não!" Mas a Máqui é assim: em tudo ela parece que mergulha fundo, e de tudo ela tira alguma coisa incrível de bagagem para compartilhar com a gente.
"Quem quer ajudar o corpo gordo?"
Pesquisar sobre assaduras e formas de prevení-las para o blog da Sallve foi, para mim, uma lição de como o assunto ainda é estigmatizado e tratado como improviso íntimo: são muitas as dicas que correm por aí que excluem a sua minissaia favorita ou o short curtinho se você for andar muito. "É que é isso, né? Tem o discurso da preocupação com a saúde da pessoa gorda, mas ninguém quer ver um gordo na academia, entendeu? Não tem acesso, que o diga achar roupa para malhar. Agora é que tem um pouco mais", reflete Máqui. "As soluções para a gente sempre foram truques que a gente mesmo teve que descobrir, tipo usar um short por baixo da saia ou passar desodorante na coxa. Porque, na real, quem quer ajudar o corpo gordo? É só ver a reação ao lançamento no meu Instagram e no Instagram da Sallve. As pessoas ficam felizes porque finalmente alguém pensou numa solução, num jeito de prevenir um problema que tanta gente tem - e que, aliás, não é um problema só de gente gorda. Finalmente alguém ouviu e pensou numa solução. Até agora, a solução era um 'se vira aí' e pronto".
Mas de onde vem tudo isso? Por que assaduras, um problema tão comum e que pode acontecer com qualquer corpo, tem que ser segredo? "É que a gente foi ensinada a sentir vergonha de tudo no nosso corpo se ele não for branquinho, sem pelos e firme. Sempre fomos ensinadas a sentir vergonha de sermos o oposto de tudo isso. Por que não sentimos vergonha de passar creme de assadura no bebê? É a mesma coisa. Se você tem atrito e contato por muito tempo, possivelmente vai ter assadura. É normal, mas a gente pensa, no reflexo, que nosso corpo está fazendo algo que não deveria. É um incômodo, mas é algo natural do corpo", segue Máqui.
Liberdade é se sentir a vontade para ser quem você é
Quando o papo entra em liberdade, Máqui trata o assunto com a mesma naturalidade com a qual trata qualquer assunto: "Eu acho que sempre fui livre, sabia? Não era uma adolescente rebelde de causar problema e preocupar meus pais, mas de ver uma injustiça na escola e armar um motim", conta, rindo, lembrando de quando a escola proibiu papetes e não só ela amava o modelo de sapato, como usava seu par com meia, desafiando a regra boba: "Minha mãe tinha que ir até a porta da escola me levar um tênis. É que eu sempre tive isso de querer ser diferente de todo mundo. Fico incomodada quando me sinto igual. Se percebo que estou vestida de um jeito parecido demais com todo mundo, sinto que tem algo errado".
Toda essa jornada de liberdade e cumplicidade com seu corpo, ela conta, vem de autoconhecimento e terapia - os dois, aliás, interligados: "Quando temos mais contato com nossos sentimentos, a gente entra menos em roubada, fica mais atenta. Mas se não rola fazer terapia, tem mil outras formas de se conhecer. Pode ser quem você segue no Instagram, um livro, um filme... Tudo pode facilitar esse processo", aconselha Máqui.
Tem mais um fator aí nessa equação que tem um peso enorme nessa jornada da Máqui: sua criação. "Acho que fui muito estimulada pelos meus pais. Eles nunca fizeram com que eu me sentisse inadequada por qualquer coisa - fosse meu corpo, minha atitude, meu tamanho, nada. Minha educação sempre foi muito livre, eles sempre me deixaram fazer o que eu quisesse, então acho que dei sorte. Ela aproveita para lembrar uma frase de seu pai: "Eu sempre fui muito alta. Meu pai tinha dois metros de altura, e ele sempre falava que talvez eu pudesse me sentir estranha por ser muito alta, 'mas é porque o mundo ainda não está preparado'".
Um, dois três: preparados?