O nome dela é Laura Peres, mas pode chamar de "Laurão mermo". Quem trabalha com moda e beleza já conhece a maquiadora por seu apelido, que virou arroba do seu Instagram. É lá que ela aumenta a temperatura de qualquer feed ou sequência de Stories, seja de microvestidos ou biquinis de todas as cores do arco-íris, que ela usa não só na areia da praia, mas dentro de casa mesmo, em frente a um espelho que já ganhou vida própria na rede social. Sabe o Rio 40 graus? Fica ali no @lauraomermo.
Laura é um exemplo fiel do que são as "grandes gostosas": um grupo cada vez maior de pessoas que usam o Instagram para protagonizar uma narrativa sem qualquer pudor em torno de seus corpos, esbanjando amor próprio e autoconhecimento com uma generosa pitada de pimenta. "Se vocês vão odiar uma pessoa normal que se acha bonita, sinto muito, a porta da rua é serventia da casa", manda avisar Laura, sobre quem se sente incomodado com seu conteúdo, que mistura cliques de trabalho e selfies que vão te dar vontade de colocar um biquini mesmo que a chuva esteja batendo na janela.
+ “Meu ideal de beleza hoje sou eu mesma” - por Brisa Issa
A jornada do corpo
"Minha jornada com meu corpo teve ilhas de importância durante minha vida toda", começa a maquiadora: "Meu pai é quem tem ascendência negra, e a família dele é toda muito grande, no sentido de ser gorda, e eu tenho uma mãe que é indígena, que tinha um corpo de Luiza Brunet. Ela tinha muitas questões com o fato de eu ser gorda, não só camufladas como preocupação com saúde, mas também pelo fator estético mesmo, que era algo que ela não conhecia - não era um assunto tão difundido na época". Laura conta que sempre foi uma criança muito grande e muito forte, que sempre fez muitos esportes ("até futebol americano, eu era ótima!"), mas que sempre acabava encaixada num lugar de "engraçada".
"Minha mãe tinha essa interferência de falar que eu tava muito gorda, que tinha que parar de comer, mas ao mesmo tempo ela me empoderava. Lembro de algo muito forte, que até levei para a terapia: uma vez virei para ela, com uns dez anos, e perguntei 'Mãe, é possivel ser sexy sem ser magra?', e ela me respondeu 'Claro, minha filha! Não tem nada a ver com isso. Mulher sexy é aquela que se sente segura e gostosa na própria pele'. Ela sempre me apoiou, mas tinha esse lugar de preocupação".
Laura Peres
Em seguida chegou a adolescência, que para Laura, foi marcada por "altas mutilações", como vestir roupas tão apertadas e de tecido tão rígido que ela não conseguia respirar no trabalho: "Só fui entender, muito tempo depois, que estava vestindo roupas muito apertadas para o meu tamanho".
+ #vivasuapele: Luci Gonçalves e o tempo que não para
Depois, os 20 anos chegaram, e com ele seu primeiro casamento: "Meu ex-marido era gordo, bem obeso, e total adepto ao orgulho gordo. Naquela época, quando ninguém sabia o que era isso, ele já falava em gordofobia, e eu mesma desmerecia - 'Gordofobia? Fala sério!'", lembra, com seu sotaque carioca tão carregado que você pode sentir o cheiro de maresia - mesmo via Zoom. "Mas ele falava na cara mesmo para as pessoas, 'Você está me discriminando por que eu sou gordo'". Foi esse relacionamento, pontua Laura, o estopim geral de mudança na sua vida: "Ele me empoderava demais".
Se ver por um novo olhar refletiu em outras atitudes que, somadas, fizeram com que Laura começasse a se sentir ainda mais confortável em seu próprio corpo. Uma delas? Começar a buscar pessoas pessoas que tinham uma forma como a sua para seguir no Instagram, e que amplificassem essa conversa que ela já tinha borbulhando dentro de si mesma: "Não dava mais para ficar querendo um corpo totalmente diferente do meu. Sou uma pessoa grande, que tem apetite. Mano, será que é isso, eu vou ficar correndo atrás de padrão a vida toda, sem curtir a jornada, sem curtir o que eu tenho? Eu escolhi não viver nessa prisão."
"Apetite é minha força motriz de vida"
Outro reflexo dessa nova postura sobre seu corpo foi sentido até na forma como a Laura se alimentava e se relacionava com a comida. Mas não pense em dietas restritivas nem nada do gênero. A conversa sobre alimentação aqui é amorosa: "Tenho uma relação muito boa com comida, cozinho super bem, e até isso eu tinha mudado. Era uma pessoa que não cozinhava para mim, que comia muito na rua. Mas com o tempo, na minha cabeça, comecei a achar que isso não gera uma energia legal, porque naquela comida pode ir a energia e a mão de pessoas que não estão muito a fim de fazer aquilo. Então acaba sendo uma comida que não te faz bem, que não foi feita para você, para nutrir seu corpo e a sua mente".
+ Medidas online que salvam a autoestima offline
Hoje, raramente Laura come na rua, e se alimentar, para ela, é uma experiência que vai muito além do simples ato de saciar a fome: "Prefiro eu mesma fazer minha comida, saber de onde vem, cozinhar como eu gosto. Foi uma transformação mesmo, especialmente depois de ter deteriorado tanto minha saúde", diz ela, contando que, quando esteve no peso mais alto de sua vida, durante seu casamento, desenvolveu diabetes. "Foi um período em que me larguei mesmo, e que foi bom de certa forma, mas se tivesse essa consciência de saúde que tenho hoje, teria feito de um jeito mais saudável. Mas eu era jovem, né, jovem é inconsequente, depois é que os boletos vão chegando", brinca.
Eu me odiei por muito tempo. Hoje em dia não me amo 100% do tempo, mas descobri que autoestima não é só aparência. É esse caminho que você vai galgando todo dia, se fazendo bem, se colocando no braço. O mundo já é tão rígido que decidi não ser mais rígida comigo mesma".
Laura Peres
Não precisa nem ir muito longe no grid da Laura no Instagram para notar que ela se curte muito. MUITO, em caps lock mesmo. "Minha relação com meu corpo hoje é boa, e em alguns dias é ótima - é quando você vê meus vídeos", dá risada. "Porque é foda, sabe, você passar uma adolescência inteira se odiando. Só quem é gorda entende essa questão de ocupar um lugar que não é midiático. Hoje, é sobre imprimir esse processo em mim mesma, de ter me tornado essa mulher que gosta de si. Óbvio que às vezes isso atravessa esses padrões sociais, mas não é algo que me fere hoje como já me feriu no passado. Hoje tem todo um movimento que questiona esses padrões extremamente opressores, capitalistas e sistêmicos, com pessoas como a Rihanna".
Uma grande gostosa
O termo grande gostosa, que cada vez mais legenda imagens de pessoas sem qualquer problema em mostrar e curtir seu próprio corpo (vai um biscoito aí também?), foi abraçado por Laura com a propriedade de quem entende exatamente qual é o papo. "As grandes gostosas se empoderaram do próprio nome, e é sobre isso: a mulher grande sempre foi colocada nesse balaio de gorda, e ser gordo na nossa sociedade não é bom. A grande gostosa se alimenta, ela é gostosa, ela não esconde a barriga, não fica usando algo torando o peito pra ficar segurando ele lá em cima, ela é naturalmente grande e gostosa", define, prontinha para incluir o termo na próxima edição do dicionário.
"Lembro de quando comecei a usar cropped em 2010 e todo mundo me dizia, 'Nossa, você tem muita coragem', e eu respondia 'Eita, é só um pedaço de pano. Isso é autoconfiança, vocês é que não estão acostumados'"
Laura Peres
Ao mesmo tempo, Laura vai mais longe, sabendo exatamente o tamanho da revolução que é quando uma mulher se ama e ama mostrar seu corpo: "As pessoas têm medo da sexualidade feminina. Uma mulher estar bem no próprio corpo, especialmente num corpo que não é padrão, é visto como algo muito ofensivo. Como assim você bota suas estrias e celulites de fora? Mas se sentir uma grande gostosa já te eleva ao seu lugar de ser uma grande gostosa. Às vezes você vê aquela mulher padrão perfeita, mas se ela não se sente gostosa, nem o corpo dela transparece aquilo. É tudo uma jornada de autoconhecimento. É sobre cuidados mentais e corporais constantes".
A sociedade tem muito medo do corpo feminino - é só ver como todo mundo fica apavorado quando aparece qualquer peitinho no Instagram. Além disso, tem toda uma ideia de que se você é totalmente ligada no seu corpo, e à vontade com ele, automaticamente isso desmerece todo o seu intelecto. Isso é muito sério. Você vê tanto homem se gabando da sua forma física e sendo ovacionado, mas quando a mulher faz isso, ela é julgada".
Laura Peres
Pequenas (enormes) revoluções
À essa altura da conversa, aquelas tais "ilhas de importância" da jornada do corpo da Laura começam a ficar mais claras: sua relação com a comida também como algo espiritual, a revisão de quem ela seguia nas redes sociais e, mais uma: as mulheres trans conquistando um espaço cada vez maior - até no BBB, quem diria. "Elas desmistificaram muita coisa do feminino, de forma que hoje a gente se vê de uma forma mais legal. Se a figura feminina são vários signos, por que não atingir um desses signos só por causa da minha forma? Sou muito aberta a vários pontos de vista porque acho que tudo isso também me ajudou a construir minha narrativa".
Atualmente, Laura se sente mais livre no seu corpo quando está bem mentalmente, quando seu trabalho flui, quando ela se sente valorizada e ouvida: "Na minha vida pessoal, eu me sinto mais livre quando estou harmonicamente bem mentalmente falando mesmo. Ah, e de biquini", complementa, soltando uma gargalhada. "Biquini sempre foi um problema, mas hoje faço questão de usar os menores possíveis para as pessoas ficarem bem incomodadas mesmo. Assim já rola aquela seleção natural, acho ótimo".
+ #vivasuapele: Laura Peres fala sobre padrões e aceitação
Terminando a conversa, Laura, deixa seu recado: "Meu corpo é vivo e ele questiona, ele tá aqui para questionar. Se você ja se sente mal só de olhar pra ele, só dele estar ocupando aquele lugar, isso significa que você tem que fazer uma autoanálise".
Laurão. Mermo!