O sentimento em forma gráfica na imagem de Ivana Wonder

Álvaro Bigaton conversa com Ivana Wonder sobre todo o significado por trás de seu trabalho e visual tão fascinantes

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Foto: Lucas Cobucci

Em tempos pré-pandêmicos, um dos compromissos mensais nos quais eu mais amava comparecer era o show de Ivana Wonder no Cabaret da Cecília, bar localizado na Santa Cecília, região central de São Paulo, que incorpora todo o mistério, charme antigo e celebração queer necessários para comportar a voz e presença de Ivana.

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Separados em temas que iam desde brasilidades a orgulho LGBTQIA+, cada show contava com um repertório de músicas cuidadosamente curado e cantado por Ivana com banda ao vivo (e algumas surpresas a cappella) e que traziam sorrisos e lágrimas em medidas equivalentes a todas as pessoas que ali celebravam suas histórias, amores, vivências e identidades.

Para quem caía de pára-quedas em alguns desses shows, pode ter sido difícil definir exatamente quem era essa figura no palco, mas Ivana Wonder explica: “Há muito tempo eu já não me considero o que as pessoas entendem como drag [queen] e me considero um palhaço. O palhaço é uma coisa agênero e a partir do momento em que comecei a questionar esse binarismo, assim como a beleza binária, vi que não existia um espaço para isso. E encontrei esse escapismo no palhaço".

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Foto: Lucas Cobucci

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Por mais que existam poucas regras no mundo drag, o imaginário popular ainda avalia muito o sucesso da prática pela habilidade da pessoa de convencer seu público de que ela é do gênero oposto, e esse território binário não é onde Ivana se sente à vontade. Em sua busca por referências mais apropriadas para o que ela queria transmitir, foi na cena Club Kid que Ivana se familiarizou com a irreverência e o questionamento de gênero por meio da moda, música e performance, enxergando em Leigh Bowery essa aproximação com o palhaço: "[O palhaço] é sobre a expressão do sentimento, e esse sentimento que se expressa visualmente. Porque tudo é muito marcado, intenso, então acho que é isso - a materialização do sentimento em forma gráfica. Ele é o pico e o buraco, ele pode ser as duas coisas.”

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Eventualmente Ivana chega nos palhaços de ópera e na beleza Hollywoodiana dos anos 30, que ela define como uma “beleza caída” que precisava ser muito marcada para transmitir expressão com nitidez numa época em que tudo era em preto e branco. É entre essas várias interpretações de emoção, androginia e beleza que Ivana constrói seu espaço como alguém que referencia ao mesmo tempo que desafia essas referências.

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Foto: Lucas Cobucci

Ao longo do último ano, porém, Ivana comenta como seu processo criativo mudou. Uma vez adepta de uma rotina de shows muito agitada, em conciliação com seu trabalho como designer e vida pessoal, era comum que ela recorresse a soluções de maquiagem que ela sabia que funcionariam sem grandes percalços, mas agora ela está redescobrindo o prazer em experimentar com maquiagem no seu ritmo.

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Experimentação, inclusive, é uma palavra-chave para ela em 2021. Enquanto trabalha em seu primeiro álbum de estúdio e aprende a tocar piano, ela está desenvolvendo estudos estéticos que podem vir a integrar a parte visual do disco. Enxergando seu processo criativo como uma grande parte de tudo que apresenta, Ivana conta: “Pra mim, todas as coisas, desde um show a um ensaio de fotos, precisam ter uma narrativa, com começo, meio e fim. E a segunda esfera disso é 'o que eu quero transmitir com isso?' Eu quero que as pessoas reflitam sobre o que hoje? A gente vai falar sobre melancolia? Amores perdidos? São conceitos abstratos mas que me ajudam a definir desde moodboard às músicas que vou cantar num show.”

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Foto: Lucas Cobucci

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Melancholic Blues, seu último ensaio, que conta com direção do fotógrafo e diretor de arte Lucas Cobucci (que, por acaso, também é namorado de Ivana), busca iniciar esse direcionamento visual e reapresentar Ivana após um tempo “aprisionando a fera”, como ela mesma define esse tempo que passou distante dos palcos.

Como Ivanete de longa data, estou muito ansioso para os próximos projetos desse patrimônio da vida noturna de São Paulo pois também é dentro do circo de Ivana Wonder que muitos de nós encontramos força e inspiração para encarar a realidade: “É uma coisa humana, da gente criar esses mundos fantásticos para que a gente consiga superar uma grande coisa ruim que esteja acontecendo com a gente.”

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